domingo, 30 de dezembro de 2012

Noli me tangere; a peste em Milão; F.Galicia (1568-1630)

O tema de Judite e Holofernes era frequentemente usado nestes tempos (e ao longo da história da Arte). A bela viúva judia armada da força do Deus dos judeus decapita o forte general assírio que impunha cerco sem tréguas à sua terra.

Podemos considerar esta uma interessante metáfora para o juízo divino. Mas não é por aí que vamos.

Fede Galizia não escapou  a esta moda e nem, obviamente, às encomendas que lhe eram feitas. Terá pintado algumas Judites, estando duas assinadas e datadas; esta de 1596 encontra-se, hoje, em Sarasota,no Ringling Museum of Art.

Talvez um autoretrato, o que me espanta neste quadro é o cuidado meticuloso na reprodução das jóias e de um vestido imaculado,  um penteado elaborado de fitas e adornos, um rosto sereno quase alheio ao drama de alguém que tinha acabado de decapitar um homem.

Este tipo de minúcia na reprodução de vestimentas e acessórios  terá certamente contribuído para alicerçar os seus dotes de retratista. As encomendas religiosas continuam.

Outro tema frequente " Noli me tangere"(" Não me toques") no encontro de Maria Madalena com Jesus após a sua resurreição, este feito em 1616 e um dos seus quadros mais célebres. Encomenda para o altar de Maria Madalena, encontra-se agora na igreja de Sto. Stefano em Milão.

Nunca casou. Sempre se sustentou com a sua arte. A corte de Sabóia devia-lhe 506 "scudi" em 1630. Ano da sua morte em Milão, provavelmente, de peste.


Pintou, muito para além das naturezas mortas, retratos e inúmeras quadros religiosos. Conjugou sábia e diligentemente a tradição lombarda com as tendências do seu tempo.

Vamos agora partir para outras pintoras como Artemísia Gentileschi e Lavinia Fontana.

Mas isso fica para outros posts.






segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Um caminho para o reconhecimento com "naturezas mortas" nas horas vagas

A partir dos anos noventa Archimboldo interessa-se pelo trabalho de Fede Galícia e leva-o até à corte de Rudolfo II. Começa a ter notoriedade e reconhecimento também no meio intelectual e aristocrático milanês. As portas de várias comissões e patrocínios abrem-se para a muito jovem artista.


Aqui ficam algumas das obras de "naturezas mortas" com os seus fundos lisos que tanto realçam a capacidade de desenhar de F. Galicia.








Crê-se que terá sido no intervalo de obras maiores e mais com um cariz de desenfado que pintou as hoje, tão conhecidas, naturezas mortas, pois da sua obra foi também o que mais resistiu e perdurou até aos nossos dias.



De retábulos e das várias representações de Judite e Holofernes fica para outro post, já que, especialmente, o último pouco tem de natalício.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Fede Galizia, para além da "natureza morta"; (1578-1630)

 Continuamos em Itália e no Renascimento.

Fede Galizia nasce em Milão em 1538.

Fede ou Fé (a origem do seu nome é do latim "fides") Galizia terá aprendido a sua arte com o pai Nunzio Galizia, pintor de miniaturas.

Aos 12 anos esta menina precoce já era reconhecida como pintora talentosa como o dizem escritores da época.

Do Pai  lhe terá ficado o gosto pelo detalhe e minúcia, mas dele se destaca pela capacidade criativa e estilo muito próprio.

Foi excelente retratista. Foi excelente pintora de retábulos de cariz religioso.

Paolo Morigia

Em 1592  já teria retratado o pai, a mãe, dois gentil- homens milaneses (obras que se perderam).É de 1596 este retrato dojesuíta Paolo Morigia. Dizem que, neste retrtao, o escolar  estaria a escrever uma poesia laudatória dedicada à jovem pintora.







Federico Zuchara c 1604
retrato de médico, Ludovico Stelata c1604/5




Foi pioneira em Itália do género de "natureza morta" que pintou com uma qualidade e graça que poucos igualaram.
Mas isso fica para o post seguinte.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Sofonisba Anguissola: De olhos bem abertos para as surpresas da Vida



Após a morte do seu marido em Palermo, Sofonisba viaja de barco até Cremona, sua terra natal. Nessa viagem ter-se-á apaixonado pelo bem mais jovem capitão da embarcação Orazio Lomellino.
Paixão essa correspondida em amor e dedicação até ao fim da sua vida.
Estabelece-se em Génova em casa dos parentes do seu marido com estúdio próprio continuando a pintar.

É visitada, admirada e respeitada por vários pintores do seu tempo. Um jovem Anthony Van Dyck já no final da vida de Sofonisba encontra-a em Palermo e faz um esboço interessantíssimo da idosa pintora no meio duma série de notas

Ela pinta quase até ao fim.

O seu último quadro conhecido é de 1620. A visão (muito provavelmente cataratas) falha-lhe dificultando-lhe a tarefa que tanto amava .

c1610 autoretrato



Soube, no entanto, sempre manter-se de olhos bem abertos para as pequenas e belas surpresas da Vida. Deixou um corpo de pintura sólido;  cerca de 50 quadros reconhecidos como seus, mas com uma parte não totalmente descoberta pois vários dos seus quadros pereceram num incêndio do Prado do séculoXVII, ficando apenas as reproduções feitas por outros. Complicada ainda esta tarefa pelo facto de  outras das suas obras terem sido atribuídas a autores homens.

c1620 autoretrato
Il Miracolo di  Natura morre em 1625.



O seu marido em 1632 dedica-lhe este epitáfio:

Para Sofonisba, minha mulher, ......recordada entre as mulheres ilustres do Mundo, única na arte de retratar as imagens dos homens...Orazio Lomellino pela perda do seu grande amor dedica este pequeno tributo a tão grande mulher."

Sofonisba Anguissola mostra, no meio de tantos constrangimentos, o de género, o da classe social, o de lutar por um nicho de patronos que não lhe pertencia naquele longínquo Renascimento, que foi possível ser mulher e artista, ter o dom da divina invenzione, abrindo o caminho ao reconhecimento de outras mulheres pintoras e artistas como Lavinia Fontana, Barbara Longhi, Fede Galizia e Artemisia Gentileschi.

Digo assim um breve adeus a Sofonisba Anguissola e vou descobrir essas outras mulheres que têm também um lugar próprio e de direito na História da Arte.




terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Sofonisba, vida em Espanha e um casamento

Ana de Áustria, 4ª esposa de Filipe II
Filipe II
Sofonisba Anguissola permanece em Espanha de 1559/60 até, pelo menos, 1578, servindo como pintora de corte e retratista não só de Isabel de Valois como de Ana de Aústria, 3ª e 4ª  rainhas de Espanha.

Infanta Catarina Micaela, filha de Filipe II e Isabel de Valois




Infanta Catarina Micaela, duquesa deSabóia
 Este magnífico e ousado retrato da Infanta Catarina Micaela com véu e estola de arminho é sinónimo de maturidade no seu trabalho como pintora e de grande qualidade. Tantos anos discutido como pertencente a El Greco e só mais recentemente atribuído a Sofonisba Anguissola. E tantas vezes copiado.

Infanta Isabel Clara Eugénia, filha de Filipe II e Isabel de Valois
filha da duquesa de Sabóia, com anão


A sua pintura torna-se mais elaborada, detalhada e atenta às múltiplas minúcias do vestuário da maior corte da Europa, tanto do rei como de rainhas, infantas e cortesãos. Aprende a valorizar os seus modelos.
dama da corte





Aos 38 anos casa-se com D.Francisco de Moncada, filho do vice rei de Paterno, da Sicília.

Filipe II, o seu patrono, toma interesse pessoal nesta questão dando-lhe o dote e um casamento digno da sua condição de nobre.

Aqui as opiniões dividem-se pois há quem defenda que Sofonisba e o seu marido permanecem em Espanha até à morte deste em 1579, há quem defenda uma viagem de interregno com regresso posterior a Espanha.

Na altura de regressar a Cremona, a viagem vai-lhe trazer a surpresa de uma paixão que a acompanhará até ao fim da sua vida. Mas isso fica para o próximo post.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Sofonisba Anguissola, a mulher de negro e uma viagem para Espanha

Vestia-se de negro com poucos adornos, gola branca de renda, cabelos penteados e apanhados atrás sem grandes exibições de caracóis ou de algo que a ligasse a ideais pré-feitos de beleza feminina. Com um aspecto que a distanciava da riqueza ornamental do vestuário das suas contemporâneas da mesma classe social.

Transmitia uma imagem de segurança e compostura serena, de alguém que quer trilhar um caminho diferente e adopta para si o código e vestuário que era indicado para o cortesão perfeito, mas homem.

Nos seus múltiplos autoretratos constrói sempre uma imagem de rigor e de cultura, ora com livros, ora no cravo. Constrói uma imagem baseada em trabalho de pintura honesta e excelentemente feita. Tanto que muitas das suas obras foram atribuídas posteriormente a outros pintores.

Em sete dos seus quadros assinou como "virgo", que mais do que uma afirmação de feminina castidade era uma afirmação de autonomia de qualquer homem, de autosuficiência.
Isabel de Valois
Em 1558, já pintora reconhecida, conhece em Milão o Duque de Alba que a apresenta à corte Espanhola.

É o ínicio de uma viagem de 18 anos.

É convidada por Filipe II para ser professora de desenho e pintura de Isabel de Valois, a terceira mulher do rei.


Sofonisba Anguissola tem cerca de 26 anos, estava na corte mais prestigiada de toda a Europa como pintora respeitada, nobre convidada e professora da rainha, aia ainda da infanta Isabel Clara Eugénia.

Isabel de Valois

Autoretrato

As suas vestes negras certamente não destoaram na austera corte de Espanha. E a  amizade da rainha tornou a sua estadia bem profícua em termos de produção artística.


Duas crianças


D.Carlos



sábado, 1 de dezembro de 2012

Sofonisba Anguissola, o erro de Tomás de Aquino, parte 2



Sofonisba trabalha, como disse no post anterior, numa época dominada pela filosofia aristotélica tão elaborada por aquela personalidade carismática que foi Tomás de Aquino.

No que concerne o feminino era, para dizer no mínimo, um misógino, com  a poderosa e a infeliz (também no que ao género feminino diz respeito) capacidade de influenciar o pensamento ocidental por séculos e séculos.

Assim Sofonisba Anguissola era realmente um problema, onde ia uma mulher buscar esta capacidade de expressar a vida por detrás da tela, esta capacidade tão "masculina" da "invenzione"?
Recordo que uma mulher ter acesso a modelos (nús)  masculinos ou femininos era tudo menos evidente ou sequer possível socialmente, levando a que Sofonisba Anguissola não pudesse enveredar por temas "primeiros" como os Temas Históricos.

A sua numerosa família, fornece assim uma série de modelos.  É-nos dada a conhecer  pelos trabalhos criativos e afectuosos de Sofonisba (que não era a única pintora das irmãs, mas sem dúvida  a mais talentosa e longeva).

 "O Jogo de Xadrez" é um quadro memorável em termos de composição e vivacidade e também o meu favorito:
 a irmã mais nova, Minerva olha para Europa, que olha para Lucia que olha para a pintora (e para nós) enquanto se dispõe a ganhar o jogo com uma dama negra( toque de ironia?).






Irmãos
Mãe de Sofonisba, Bianca Ponzoni



A sua Família


Pai e irmãos

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sofonisba, O erro de Tomás de Aquino, parte 1


Sofonisba correspondeu-se com Michelangelo. Teria cerca de 22 anos.

Enviou-lhe, em certa altura, um delicado desenho de uma rapariguinha risonha e pediu-lhe opinião. O Mestre respondeu que gostava de a ver desenhar um rapaz a chorar, assunto muito mais difícil que uma sorridente menina.

Sofonisba respondeu-lhe assim:
com o desenho aqui ao lado ( preservado graças  a Vasari)
uma rapariguinha ri-se ternamente dum rapazito choroso picado por um camarão.

Esta capacidade de resposta com inventividade, naturalidade e imaginação não passou despercebida aos seus contemporâneos. Tanto que este desenho foi preservado. Conseguir responder ao "Il divino" com este despacho não era comum.

Sofonisba era uma mulher com o dom de criar, de inventar, de dar aquela aparência da emoção do verdadeiro da vida, conseguia ser  assim uma artista iluminada pela "invenzione" divina.

Isto numa época dominada pela filosofia aristotélica, tão elaborada por Tomás de Aquino em que todo o esforço de Criar se dizia no masculino, incluindo o esforço da procriação. A mulher era vaso, era útero e como artista o elogio máximo seria o de ser considerada uma boa copista, mas nunca, realmente, uma criadora.

Que quebra cabeças para os críticos e fazedores de opinião do seu tempo deve ter sido esta mulher, nobre, independente e com este dom.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sofonisba Anguissola, Il miracolo di natura (1532-1625)

 


Nasce em 1532 em Cremona, na Lombardia. Esta jovem italiana de olhos claros, segura de si, com uma sempre estudada compostura olha-nos dessa longínqua Renascença e mostra do que é capaz.

Como nobre aristocrata estudou Latim, Matemática, Literatura, Ciências, Filosofia, Escrita, Música, Desenho e Pintura. Teve liçoes privadas com o artista Bernardino Campi e posteriormente Bernardino Gatti.

Tinha nas suas mãos a tão desejada"invenzione", o espírito criador do artista que transmite emoções e espelha o sopro divino da inspiração verdadeira.

Pintou mais autoretratos que qualquer outro artista entre Durer e Rembrandt.

Estas peças, as suas pinturas, eram "jóias" de colecção que se ofereciam, trocavam e colecionavam ao mais alto nível social.

Sofonisba, porque nobre  e pelo seu status social não podia vender nenhuma das suas obras. Assim o círculo em que se movia permitia-lhe uma visibilidade pouco comum  a uma artista mulher mas por outro lado retirava-a do "mercado" da competição das comissões e vendas.

Neste autoretarato de fundo verde está escrito o seguinte:
Sophonisba Angussola vir[go] ipsius manu ex [s]peculo depictam Cremonae" (Pintado de um espelho, pela sua mão Sofonisba Anguissola, virgem de Cremona)

Temos então assim alguns desses autoretratos e em baixo um curioso retrato duplo em que aparece com o seu mestre Campi, ambos de negro, à boa maneira dos cortesãos (homens) da época. Dez anos depois, com um toque de ironia e de ternura a pupila pinta o mestre a pintá-la a ela e ela é indubitavelmente a figura central.

A excelência obtida no muito que pintava vale-lhe da parte de escritores e poetas do seu tempo o título de " IL Miracolo di Natura"

domingo, 25 de novembro de 2012

Da Arte


A Arte é feita de espantos e descobertas; nasce do nosso humanismo, manchada pelas nossas angústias e descrenças, por isso  humana, por isso intemporal, por isso capaz de resistir aos retalhos da História destruidora de civilizações.
 
Fica, sempre, altiva e imortal, mutilada e perene como prova da amplitude de todas as emoções humanas.
 
Aqui falarei de Arte, sempre de arte, preferencialmente numa visão de Mulher sobre a arte e sobre as mulheres que fizeram Arte. Tantas e tão excelentes, tantas com tão pouca voz. Será um percurso diferente, de desvendar e de género, feito de um modo informal. Espero que usufruam tanto  a ler-me quanto eu espero em escrever.
 
Também me escreverei um pouco e irei partilhando um portfolio de pinturas, desenho e gravuras que tanto amo.

De mim fica então para depois...

Catarina van Hemessen (1528- >1587) parte II

Com 26 anos Catarina casou com Kerstiaen de Moryn. Músico excelente, veio a tornar-se no organista da Igreja de Nossa Senhora de Antu...